Certa vez atendi em Terapia uma senhora que vivia um casamento de fachada. Depois de ter sido traída pelo marido, a relação conjugal ficou insustentável. Entretanto, por causa dos filhos, resolveu que iria continuar vivendo na mesma casa com o marido como se ainda fossem casados. Viviam apenas como amigos e os filhos não sabiam da real situação. Estava agindo dessa forma para evitar sofrimento para os filhos.
Seu desejo real era o de se separar. Mas ao pensar nisso começava a sentir culpa imaginando o quanto os filhos iriam sofrer. Ela se via em um dilema onde
teria que escolher entre dois tipos de sofrimento: manter um casamento de aparências por tempo indeterminado ou passar por uma dolorosa separação que lhe traria um forte sentimento de culpa e pena dos filhos. A culpa era tão intensa que a levou a decidir por continuar o casamento de fachada. Vamos observar as consequencias emocionais desse processo. Muitas delas são sutis e difíceis de serem percebidas.Quando alguém se sacrifica, acaba por sentir que o outro ficou lhe devendo algo.
É um processo inconsciente. Ao causar sofrimento a si mesma para poupar o filhos, sua contabilidade emocional interior começará a anotar que os filhos lhe devem. E essa dívida imaginária será proporcional ao tamanho do sofrimento que ela se auto impôs. O problema é que, do outro lado, os filhos não tem a menor idéia que são vistos como devedores.
Ao mesmo tempo em que ela terá esse sentimento de que os filhos lhe devem, vai se ressentir deles por ter tomado essa decisão, como se ela não tivesse outra alternativa e tivesse sido obrigada a isso. Os anos vão passando e sua frustração vai aumentar por não poder entrar em um novo relacionamento, pela falta de vida sexual, pelo tempo perdido e etc. Inconscientemente ela culpará os filhos pela sua escolha e por todo sofrimento que isso lhe causou.
Mas é claro que se você perguntar, essa mãe dirá que fez tudo isso sem esperar nada em troca, que não tem raiva dos filhos por isso, por que afinal de contas ela é adulta e tomou uma decisão por sua conta e risco. Esse é o discurso superficial. Um lado dela pode até ver dessa forma, mas lá no fundo existe um processo emocional mais difícil de se enxergar e que tem sua própria lógica menos visível.
A verdade sobre essa raiva oculta e sobre o sentimento de que os filhos lhe devem vai aparecer mais dia menos dia na relação com eles. Sentido que foi capaz de tamanho sacrifício em prol dos filhos ela cria uma expectativa que eles também façam coisas por ela. E quando eles não corresponderem a isso, a mãe se sentirá decepcionada, frustrada, e até traída. Haverá uma cobrança em cima dos filhos. E se ela conseguir engolir e esconder todos esses sentimentos sem demonstrá-los para ninguem fingindo estar tudo bem para os outros e até mesmo para si própria, vai gerar uma infelicidade, depressão e não terá consciência da onde vem esse sofrimento.
Existe ainda mais uma consequencia. Essa mãe sentirá raiva de si mesma por ter se imposto tamanho sofrimento. E essa raiva de si mesma poderá ser projetada ainda mais em cima dos filhos.
Em um determinado momento os filhos vão acabar percebendo a situação de fachada do casamento e o sacrifício que sua mãe fez. Acredito até que eles já sabem disso em um nível inconsciente mais profundo. Também de forma inconsciente podem acabar se sentindo culpados por se considerarem os causadores do sofrimento da mãe ao mesmo tempo que podem sentir raiva dela por fazê-los se sentir culpados por uma decisão que eles nem pediram.
Vejam então o grande emaranhado emocional. Algo que teoricamente seria benéfico pelo menos para os filhos, acaba sendo prejudicial. Ninguém sai ganhando. Todos ficam ainda mais infelizes nesse jogo.
O que aconteceria se ela seguisse sua vontade e se separasse? Certamente haveria um sofrimento inicial dos filhos. Mas com o tempo isso seria amenizado. Seria uma experiência dolorosa, mas plenamente possível de se superar. No final das contas provocaria menos sofrimento para família.
Essa mesma mulher tem um histórico anterior em que sua mãe fez um sacrifício por ela. Durante a gravidez, a mãe dela teve uma determinada doença. Para não causar nenhum problema ao bebê optou por não tomar a medicação. Só que isso lhe trouxe uma sequela fisica por não ter tratado a doença. O resultado dessa situação é que é essa mulher sente que sua mãe a culpa pelo seu problema físico, e ela por sua vez se sentia muito culpada por se ver como a causadora do sofrimento na mãe. Sua mãe não a acusava diretamente, mas a filha sentia nas entrelinhas a raiva oculta que a mãe sentia por ter feito esse sacrifício.
Nunca conversou sobre seus sentimentos a respeito desse assunto com sua mãe nem com qualquer membro da família pois tinha certeza que todos iam dizer "imagina! você está certamente enganada, sua mãe jamais iria ficar com raiva de você, ela fez tudo por amor e etc...". Sim, certamente a mãe agiu dessa forma por amor. Mas por outro lado ficou uma raiva de ter sido prejudicada e isso acaba sendo projetado na filha. O amor e os sentimentos negativos coexistem.
E hoje, por se sentir devedora com relação a mãe, tenta agradá-la de todas as formas. E uma dessas maneiras de agradar é também manter o casamento. Esse foi um outro aspecto que surgiu durante a sessão que a fazia continuar casada contra a sua vontade.
Realizada a sessão de terapia para libertá-la dos sentimentos de culpa de pensar em se separar, medo de ver o sofrimento dos filhos, medo de separar e ficar sozinha, mágoas do ex-marido, sentimento de culpa com relação a sua mãe... Tudo isso para que ela pudesse se sentir livre da negatividade que estava comandando suas ações. Uns sentimentos negativos diziam que ela tinha que separar (a mágoa do ex-marido, por exemplo) e outros diziam que era melhor ficar casada (culpa, medo que os filhos sofram e etc...).
Mas o que a sua essência realmente deseja? Não há como ter certeza verdadeiramente até confrontarmos toda a negatividade. Ao confrontarmos amorosamente esses sentimentos, vamos corrigindo as distorções e os trazendo de volta pra o foco , real consciência, a verdade que se encontra protegida devido ao medo do aspécto imaturo de nosso Ser, aí a pessoa vai sentindo cada vez mais paz interior e surge a confiança sobre qual seria a melhor decisão, até que consegue por em prática o que sente que deve ser feito.
Observe atentamente cada vez que você fizer algo contra a sua vontade, os sentimentos que surgem e as projeções que irá fazer causando ainda mais sofrimento para si mesmo e para os outros. Vale a pena fazer sacrifício? Só você poderá saber. Na vasta maioria das vezes o sacrifício é totalmente desnecessário. E caso decida por se sacrificar de alguma forma, como no caso de não tomar uma medicação para não prejudicar o filho, abandone sinceramente toda e qualquer negatividade que venha a surgir. Assuma total e incondicional responsabilidade pelo sua decisão para não projetar nos outros a raiva pela sua própria decisão. Se você conseguir se conscientizar de toda a negatividade, e é muito raro que alguém consiga sem ajuda profissional, então não se trata mais de um sacrifício, e sim apenas de uma decisão que você resolveu tomar que não gera mais nenhum tipo de sofrimento emocional para você e para os outros.
Muito cuidado pois é muito fácil se enganar!
ROSEMARI PADILHA - PSICOTERAPEUTA
ATENDIMENTOS EM S.ANDRÉ, SPAULO E PIRACICABA
11-8303.0114 (CLARO) 11-8257.6815 (TIM)
Nenhum comentário:
Postar um comentário